18.12.10
30 anos sem Cartola.
No último dia 30 fez trinta anos da morte de um dos maiores compositores da música brasileira, autor de clássicos inesquecíveis, parceiro de Noel Rosa e fundador da Estação Primeira de Mangueira: Angenor de Oliveira. Cartola não teria argumentos para explicar a obra que tem se não fosse o raro talento natural. Era pobre e com pouca instrução, utópico seria para a maioria dos que vivem nessa realidade atingirem o nível poético dele. Poucos que se destoam do bando e terminam em viver além do simples. Designar uma trama tradicional para a sina de Cartola seria um pecado que Deus não ousou cometer.
Um dos criadores do conceito “escola de samba”, conviveu com Noel e outros grandes compositores do gênero desde cedo; sempre atingia o ponto certo em suas canções. Mas só lançou um disco depois dos 60 anos. Bastante tempo que suscita inúmeras justificativas, entre muitas histórias. O certo é que ele passou um tempo em exílio inventado até ser visto lavando carros por Sergio Porto. Tão virtuoso com as letras como Cartola, mas o conto do sambista que some, desaparece, casa, descasa, diz que ama e trai, ele nunca escreveu. Entre sorte, mistério e talento, o cara que usou um Ray Ban, virou o café e tirou uma foto para a capa do terceiro disco é um dos artistas mais reverenciados da terra brasilis. “O Sol Nascerá”, composição de Cartola com Elton Medeiros, encabeça a lista da músicas brasileiras com mais regravações; “O mundo é um moinho” e “As Rosas Não Falam” também são marcos da brasilidade.
Os dois álbuns iniciais, lançados pela Marcus Pereira Discos, são obras-primas que escapam do rótulo “samba” e comovem até os algozes do tipo. De 1974 e 1976, eles concentram as músicas supracitadas e demais encantos como “Quem me vê sorrindo”, em que Angenor dispara com suavidade o que ele mesmo chama de “erro de toda humanidade”: “uns choram por prazer, outros com saudade”. Em “Alegria”, dispara a raiva sem pudor com a estética mais alegre possível, “Eu sei / Que teus beijos e abraços / Tudo isso não passa / De pura hipocrisia / Já que tu não és sincera / Eu vou te abandonar / Um dia”. Um deboche com a classe de quem não se rebaixa, mas sabe dos seus erros.
O elenco irretocável de canções instruídas por dor e prazer é um ícone para quem se emociona com música. Sem interferência do péssimo lugar comum, Cartola acerta em cada letra no calcanhar-de-aquiles dos insensíveis. Todos caem do altar sensibilizados pela voz não bela, mas afinada e certeira. Desabando na foz inquietadora da verdade embalada na paixão. Faz trinta anos do seu exílio definitivo. Acontece. A gente disfarça e chora, mas não esquece ou abandona. Vida longa ao célebre morador da Mangueira, que hoje não ia gostar muito das coisas como são, mas certamente teria algo surpreendente a dizer.
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