20.8.11

“Cálice” de Criolo.



Confesso: não sou fã de rap. Gosto não se discute, pois vem de influências de tempos diversos. Gosto demais de música pra gostar “de graça” de rap. Sou tão alheio ao estilo que descobri ao escrever a coluna que rap originalmente nasceu como poesia ritmada (Rhythm And Poetry). Nada contra rimas e ritmos, mas na origem do gênero faltavam alguns elementos básicos para minha fruição, como melodia ou harmonia. Sou totalmente leigo em poesia declamada, mas respeito quem a faz bem e curte. Na Rússia é arte nacional, cultuada por milhões de pessoas, em escolas, botecos e saraus.

Acompanhei o re-surgimento do movimento hip hop quando morei em São Paulo de 1998 a 2004. Dali surgiram alguns bons poetas e os Racionais foram um marco cujo impacto é definitivo. Gente como Thaide, Rappin’ Hood, Gog ou MV Bill são mentes inquietas que ampliam os caminhos do gênero. Alguns “brancos espertos” surfaram na onda, como Gabriel o Pensador ou Fausto Fawcett, deixando aí sua marca. Gostei muito do filme Antônia (2007), de Tata Amaral, que levou Negra Li ao estrelato e mostra o lado feminino do rap. O que sempre me incomodou foi a submissão acrítica ao modelo americano de rap. A imitação dos trejeitos, dos scratches, dos passos de break, das roupas, colares e óculos escuros.

Há alguns anos ouvi falar de Criolo Doido. Ativista do rap, criou a bem sucedida Rinha dos MC’s, em São Paulo, que virou circuito em todo o estado. Lançou um disco em 2006 chamado “Ainda Há Tempo” e entortou a cabeça do pessoal com “Nó na Orelha” lançado no ano passado. Na coluna “Memórias da avó” aqui na RIOetc, destaquei uma das músicas que ele gravou com Gui Amabis e que realmente ficou surpreendente. Em “Nó na Orelha”, gostei de umas faixas, menos de outras. Espiei alguns vídeos na rede e a cara de Criolo foi ficando familiar. Até que topei com este vídeo, gravado em condições precárias, num bar, sem playback, em que o poeta faz uma homenagem à canção “Cálice”, de Gilberto Gil e Chico Buarque.

Na verdade, ele canta outra letra, sobre a mesma melodia, sem respeitar muito a métrica. Me arrepiei do mesmo jeito que havia acontecido quando ouvi a canção original pela primeira vez. A voz embargada de Criolo, cantando a cappella, transmite tudo. E o fato de citar Milton, e não Gil, se deve ao fato da interpretação do mineiro (junto com o carioca) ter se tornado a referência auditiva para esta grande, imensa canção. Criolo a tornou ainda maior.

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